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sábado, 10 de maio de 2014

Pequenas Histórias

Seguem mais três crônicas, que publiquei em outro blog há mais de um ano.

17 - Quando éramos Reis -1995
 
Esta postagem de hoje é pule de 10. Cada vez que o Imortal enfrenta o Palmeiras, quem viveu o bi da Libertadores, lembra deste confronto.
 Era 1995, julho, numa noite gelada, o Grêmio pegava o Palmeiras pela terceira vez naquela edição do torneio. Antes, 3 a 2 para o antigo Palestra  e   um    0 a 0 no Olímpico. Jogo de rigoroso equilíbrio por diversos fatores: qualidade dos jogadores, entrosamento dos times, indiferença de ambos pelo fator local, dois grandes treinadores; Luiz Felipe e Carlos Alberto Silva. Havia no ar que aqueles  esquadrões eram os mais fortes candidatos ao título. 
Os dois jogos em uma semana, praticamente seriam a antecipação das finais da Libertadores da América. Ninguém, nem mesmo o mais maluco torcedor, imaginaria o escore de ambos os confrontos. Este que nos interessa, levava a campo pelo Grêmio: Darnley; Arce. Rivarola, Adilson e Roger;Dinho, Luis Carlos Goiano, Arilson e Carlos Miguel; Paulo Nunes e Jardel. Participariam ainda, Scheidt, Nildo e Alexandre. A Academia do Parque Antárctica com Sérgio; Cafu, Antônio Carlos, Cléber e Roberto Carlos; Amaral, Mancuso, Flávio Conceição e Rivaldo; Muller e Válber. Entrariam também, Alex Alves e Daniel Frasson. O juiz, Cláudio Cerdeira. 
Vamos ao jogo! Aos 17 minutos do primeiro tempo, Rivaldo acerta violentamente Rivarola e é expulso. Isso não acalmou o jogo, pelo contrário, aos 27 minutos Dinho e Válber se estranharam e trocaram empurrões. Foram expulsos também. Dinho que não levava desaforo para casa, esperou pelo atacante periquito atrás da goleira que fica à direita das sociais e começaram novamente o "pega"; outros jogadores se envolveram e a partida ficou paralisada por 15 minutos. 
À primeira vista, a interrupção favoreceria ao time bandeirante, pois estava com um jogador a menos e levava um sufoco; seu arqueiro era o melhor em campo. O jogo se encaminhava para o final da primeira etapa e o Grêmio não traduzia em gols a sua supremacia inconteste. Isso até a chegada do quadragésimo segundo minuto, quando Arce aparou um rebote próximo da meia-lua e fuzilou o goleiro palmeirense. Golaço! Loucura no estádio. Quando não se esperava mais nada daquele escasso tempo acrescido, Arilson arriscou de longe, a bola desviou no calcanhar do argentino Mancuso, subiu, subiu e encobriu Sérgio. 2 a 0. Melhor Impossível! 
Vem o segundo tempo e a escassez de gols de Jardel teve fim logo aos 4 minutos do segundo tempo. O camisa 16 se antecipou à zaga e aproveitou o cruzamento da esquerda, com um toque preciso, encaminhou a pelota que percorreu uma trajétória em diagonal e entrou no canto esquerdo da meta. 
Passados 17 minutos, ou seja, aos 21 e novamente num cruzamento da esquerda, Jardel saltou tanto que parecia passar do travessão e de sua cabeça partiu um míssil inacreditável; 4 a 0. Incrível! Ninguém mais conseguia conter a euforia, afinal era o Palmeiras, bi-campeão brasileiro 93-94, da multinacional Parmalat; não era pouca coisa. 
A tampa do caixão foi fechada aos 38 minutos, novamente Jardel, novamente de cabeça; aliás, desta vez, o nosso centro-avante precisou desferir duas cabeçadas para vencer o goleiro. Jardel (o primeiro agachado) se transformaria no artilheiro da Libertadores do ano da graça de 1995. 
Neste domingo, quando enfrentaremos o Palmeiras numa partida que dará início a um total de três, mais do que nunca, lembramos deste 5 a 0, até porque do lado de lá estará Luiz Felipe Scolari.

18 - A Segunda Revolução Farroupilha - 1972
Corria o ano de 1972, o Brasil estava na euforia do tri-campeonato conquistado no México dois anos antes, ao mesmo tempo que passava pela fase mais feroz do golpe militar perpetrado em março de 1964. Era a fase do "Prá Frente Brasil" ou do "Ame-o ou Deixe-o".

 No plano esportivo, um fato histórico marcou para sempre o ano anterior, 1971; Pelé, o rei do futebol, abandonava o escrete canarinho, fazendo dois jogos de despedida, o primeiro em São Paulo contra a Áustria, 1 a 1, com gol dele e o último no Rio contra a Yugoslávia num 2 a 2; detalhe: em ambas as partidas, o lateral esquerdo foi Everaldo, do nosso Imortal.

 72 registrou o sesquicentenário da independência política do Brasil; para comemorar a data, realizou-se no país uma mini-copa que agitou todos os cantos brasileiros. Um rincão seria "agitado" mais do que os demais; o nosso Rio Grande.

 Zagallo seguia como técnico da seleção, acumulando este cargo com o de treinador do C.R Flamengo. Ao convocar o grupo de atletas para a tal mini-copa, surpreendeu a todos, pois dos titulares ativos campeões no México, apenas um não foi lembrado: Everaldo Marques da Silva. Para o seu lugar, Rodrigues Neto do Flamengo.

 Com o tempo, C.Alberto, Clodoaldo, Gérson e Félix se lesionaram, sendo assim, cortados, mas na primeira lista, seus nomes lá constavam.

 A não convocação de Everaldo caiu como uma bomba no solo gaúcho; gremistas, colorados e demais torcedores não aceitaram a ausência do craque e entenderam como sendo uma provocação do treinador, um revide; pois não fora certamente por causas técnicas; uma versão (muito razoável) seria a de que Zagallo tivera que engolir a sugestão de Piazza, Gerson & cia de colocar o gaúcho no lugar do seu protegido Marco Antônio em 1970, convém lembrar que o único jogador com numeração reserva (16) era justamente Everaldo, escalado à fórceps, em sua concepção.

 A mágoa pegara o treinador de jeito. Agora era a hora do troco. Pairava no ar cheiro de revanche. Rubens Hoffmeister, ladino presidente da Federação Gaúcha, numa sacada magistral, propôs um jogo no Sul como forma de preparação do escrete canarinho para o torneio do Sesquicentenário.

 Sugestão aceita, convocou-se a seleção gaúcha que ficou sob a batuta do jornalista, treinador, grande frasista e gozador, Aparício Vianna e Silva, uma raposa do futebol. Antes, os gaúchos fizeram um jogo  contra a Seleção do Uruguai onde chegaram a estar vencendo por 3 a 0 com show do argentino Oberti que marcara 2 gols, Valdomiro, o terceiro e a partida acabou 3 a 2. O cenário estava pronto. Em 17 de junho, naquela noite, o Beira-Rio recebeu mais de 106.000 pessoas. Não! você não leu errado, mais de cento e seis mil pessoas!!!! Todos em clima de guerra, exceto os jogadores.

 Com arbitragem estrangeira do francês Robert Helliés, o velho "Apa" mandou a campo: Schneider, Espinosa, Figueroa, Anchetta e Everaldo; Carbone, Tovar e Torino, Valdomiro, Claudiomiro e Oberti, mais tarde, substituído por Mazinho. Zagallo contou com Leão, depois Sérgio, Zé Maria, Brito, Vantuir e Marco Antônio; Piazza, Clodoaldo e Rivellino, Jairzinho, Leivinha e Paulo César Lima, o Caju. Logo aos 2 minutos, Tovar acertou as redes de Leão, Jairzinho empatou aos 8 e o primeiro tempo terminou assim, 1 a 1.

 Apesar do sufoco que sofreu, a seleção brasileira resistiu bem. O tempo final repetiu a primeira fase, Carbone fez o segundo, logo aos 10 minutos e Paulo Cesar empatou pouco depois; ficava a impressão de um futebol "sanfona" praticado pelos jogadores sulistas, ou seja, mostravam que podiam ganhar e também que não "deviam" ganhar, sentimento não compartilhado pela massa de torcedores.

 Havia um motivo especial para o time gaúcho tirar o pé do acelerador; Aparício era "olheiro" da CBD, atual CBF, também porque sempre permanecia a esperança, tênue, é verdade, que algum gaúcho fosse convocado ao "apagar das luzes". Com o jogo se aproximando do final, aos 38 minutos, Claudiomiro, o tanque colorado marcou o terceiro. 

Como se fosse previamente ensaiado, dois minutos depois, Rivellino deu números definitivos ao placar; 3 a 3. Zagallo, profundamente irritado, tentou minimizar o sufoco, dizendo que empatara com um combinado sul-americano, pois do outro lado estavam um chileno (Figueroa), um uruguaio (Anchetta) e um argentino (Alfredo Oberti).

 Raras vezes vimos gremistas e colorados torcendo juntos por um mesmo time; para mim, esta foi a mais relevante. O Imortal contribuiu nesse jogo memorável com os seguintes atletas que aparecem na foto acima:Espinosa (1º em pé), Everaldo (3º em pé), Anchetta (8ºem pé), Mazinho, Torino e Oberti, respectivamente, 2º, 3º e 4º agachados.

 Everaldo nunca se recuperou do golpe, da rasteira que recebeu. No mesmo ano, num jogo entre Grêmio e Cruzeiro de Minas, agrediu o árbitro que marcara erradamente um penalti de Beto Bacamarte sobre Palhinha. Deixando-o nocauteado, o craque saiu caminhando de campo, aplaudido pela galera. O tranquilo Everaldo agira como o irascível Heleno de Freitas. 

Tenho comigo que a sua não convocação contribuiu  muito para a sua morte; o acidente de carro foi só o cair do pano.

Todavia, Everaldo já havia virado uma Estrela Imortal na bandeira tricolor e no coração dos torcedores. Junho de 1972, Junho de 2012, 40 anos vivos na memória dos gaúchos.

19 -  O Troco - Prenúncio de Final de Ciclo - 1976
Andei encucado com a ansiedade que vem tomando conta de boa parte da massa azul, principalmente os mais jovens com o atual estágio do Grêmio; isso me fez retornar à minha infância e adolescência. Sabem o que é ficar sem comemorar títulos dos 10 aos 18 anos? Aconteceu com minha geração; é ruim? Agora imaginem o principal adversário ganhando 8 campeonatos seguidos e sendo bi-campeão nacional neste período. É brabo! Pior, talvez, só os 12 campeonatos gaúchos em 13 anos. 
O Coirmão assistiu o penta e o hepta nosso entre 1956 e 1968, conquistando apenas 1, em 1961. E não ganhar Grenal? É cruel! Pois entre agosto de 71 e julho de 76 foram 3 vitórias apenas. Tanto que elas ficaram conhecidas  como "aquela do ...", assim mesmo, aquela vitória dos gols de cabeça do pequenino Caio, aquela dos 3 gols do Zequinha e esta que vou contar a seguir; o Grenal do Troco em julho de 76.
Naquele ano, o presidente Hélio Dourado montou um esquadrão, uma máquina de jogar, 9 jogadores que vestiram camisas de Seleções Nacionais (argentina, brasileira e uruguaia) para enfrentar o melhor Inter de todos os tempos. O primeiro turno estava chegando ao seu final e havia a expectativa se o Imortal iria confirmar a sua força diante do único verdadeiro obstáculo; o Grenal no Beira-Rio, dia 25 de Julho. 
Chegou o domingo esperado e .... Frustração total, 2 a 0, gols de Paulo Cesar Carpegianni e Figueroa, o camisa 10 e o zagueiro capitão. Isso provocou um jogo extra para decidir o 1º turno. Seria no Olímpico, 3 dias depois, à noite, quarta-feira. 
As desconfianças aumentaram ainda mais porque o goleador do campeonato, Alcino, 1,98 m de muita maldade (terceiro agachado) fora expulso e ficaria de fora. O treinador Paulo Lumumba ( um dos heróis gremistas na fase áurea dos anos 60), discípulo de Mahatma Gandhi, escolhe o mineiro Tarciso que estava no clube desde o início da década para vestir a jaqueta 9. No mais, a mesma equipe (na foto acima): Cejas, Eurico, Anchetta, Beto Fuscão (Tadeu) e Bolivar; Jerônimo, Neca e Alexandre Bueno, o Tubarão; Zequinha, Tarciso e Ortiz.
 O Inter completo: Manga; Cláudio, Figueroa, Marinho e Vacaria; Caçapava, Falcão ( Escurinho) e Paulo Cesar Carpegianni, Valdomiro, Dario e Lula. Rubens Minelli, o técnico. No apito, Agomar Martins. 
O Tricolor foi perfeito, aplicou o famoso "rodião". Tarciso em seu décimo-terceiro Grenal, jogou como nunca antes fizera, dividiu com Anchetta a condição de craque da partida. Ortiz deslocou-se por todo o campo, deixando o lateral Cláudio "perdidinho da silva" e Figueroa afundou diante do veloz Flecha Negra. 
Com um gol em cada tempo, o Tricolor deu o troco; 2 a 0 zero; gols de Alexandre Tubarão, o camisa 10, quebrando a invencibilidade de Manga de 903 minutos  e de Anchetta, zagueiro e capitão do time. Ganhamos este turno, mas perdemos o campeonato numa sequência irritante de "más jornadas" dos árbitros, mas aquela vitória foi, sem dúvida, prenúncio que o ciclo vitorioso vermelho estava se aproximando do esgotamento. 
Ano seguinte, pude comemorar meu primeiro título, depois de um "longo e tenebroso inverno" de oito anos. Desconfio que o atual ciclo vermelho deu indícios contra o Mazembe que está chegando ao fim. Falta o Grêmio fazer a sua parte.


2 comentários:

  1. Bruxo, três belas histórias.
    Fatos que ficaram marcados na memória dos torcedores gremistas e colorados.
    Páginas que serão relembradas nas conversas de velhos torcedores.
    Bons tempos aqueles!
    Contar aos jovens torcedores de hoje que Olímpico e Beira-Rio recebiam facilmente 80 ou 90 mil pessoas em jogos expressivos, fatalmente vai chamar a atenção deles, pois o público que procura os estádios em partidas da atualidade não chega à metade desses números. Coisas do futebol moderno.

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  2. Alvirubro!
    Mudou muito! Não havia empresários mandando nos clubes, os diretores eram mais torcedores nos cargos do que especuladores, os ingressos eram mais baratos, os Grenais tinham 40% da capacidade destinada aos visitantes, etc...

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